O Céu de Ícaro

Porque o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu

Quanto tempo dura o amor?

Estavam os dois ali, em silêncio, ele fumando na janela e ela sentada na poltrona tentando chorar baixo. Apenas a luz da lua iluminava timidamente os dois.
Naquele momento, odiavam um ao outro, e cada um, a seu modo, odiava a si mesmo.
Ele observava a rua lá embaixo. Viu um casal jovem passeando de braços dados enquanto sorriam de forma boba. Ela estava com a jaqueta dele, enquanto ele tentava fingir que não estava com frio. "Coitados." - pensou ele com ar blasé - "Condenam-se, sem perceber, a uma vida miserável. Estão tão estupidamente entorpecidos que não veem a infelicidade os espreitando na esquina. Aproveitem, estúpidos, aproveitem sua embriaguez amorosa enquanto podem, pois um dia acordarão e perceberão que estavam dormindo com o inimigo".
Ela se esforçava para que, entre um acesso e outro de choro, não soluçasse alto demais para que ele ouvisse, não queria dar-lhe o prazer de perceber que sofria. Claro que, diante da atual situação e do que vinha acontecendo nos últimos tempos, surpresa seria se ele ainda notasse que ela estava viva: "Foi minha culpa?" - lamentava-se - "Será que eu deixei que nosso relacionamento caísse na inércia, nos distanciando cada vez mais? Ou será que ele foi deixando de gostar de mim e eu não percebi? Burra! Como pôde deixar tudo ruir assim? Como foi acreditar que sua vida fosse ser para sempre como um conto de fadas? Contos de fadas existem por um motivo, para nos fazer esquecer nossa vida miserável. Eles são o ópio que necessitamos para prosseguir em nosso mundo cinza. Mas não posso me martirizar sozinha, afinal, um relacionamento se faz a dois, não é? O que ele fez enquanto via nosso barco afundando? Ele apenas se sentou na proa e o viu afundar, esperando que o lado onde eu estava afundasse primeiro. Ele é um homem de prazeres simples, sempre o foi, mas hoje, seu prazer se resume em me ver pior que ele".
Ele viu pelo reflexo da janela que o rosto dela estava molhado: "Criatura patética. Pensa que pode me comover com essas lágrimas falsas. Como pude me envolver com um ser tão desprezível quanto esse? Estaria eu tão cego pela tal da paixão que não percebi a verdadeira face dela? Ok, chega de tentar reviver o passado, o que está feito, está feito, agora devemos continuar com nossas vidas".
Ela, percebendo que ele desviara o olhar quando olhou para o reflexo no vidro, enxugou as lágrimas e sentou-se em posição mais confiante: "Está selado. Fomos ambos negligentes o bastante para deixar que nosso amor se esvaísse como areia entre os dedos. Fomos tolos o bastante para acreditar que ele duraria para sempre".
Ela começou a recordar a primeira noite em que saíram juntos. Era um dia frio de julho, ele a encontrou na praça, perto de onde eles moram atualmente. Ela estava tão animada pelo fato de ter um encontro com ele, que nem se deu conta do frio, foi notá-lo apenas mais tarde, já na praça. Quando ele chegou, abraçou-a com carinho, deu-lhe um beijo suave no rosto e depois, quando quase tocavam-se os lábio, ele notou que ela tremia. Prontamente, tirou sua jaqueta e a envolveu sobre os braços dela. Caminharam de braços dados pela rua, a mesma onde moram hoje. Lembra-se de que, enquanto caminhava juntinhos, extasiados apenas por estarem perto um do outro, ouviram um velho irritado gritar do quinto ou sexto andar de um prédio: "IDIOTAS! PENSAM QUE ISSO VAI DURAR PARA SEMPRE? NÃO VAI! VOCÊS ESTÃO FADADOS A UMA VIDA DE DECEPÇÕES. VOCÊS SE ABRAÇAM AGORA, MAS DAQUI ALGUNS ANOS, SENTIRÃO ASCO UM DO OUTRO!". Ela lembra-se ainda de olhar para aquele velho perplexa e depois olhar para seu amado e perguntar com um ar meio jocoso: "Você acha que a maldição dele pode nos afetar?", "De forma alguma." - ele respondeu - "O amor é imutável, inflexível. Se o que temos é amor, então não temos com o que nos preocupar".
Não era amor, afinal. Eles estavam certos, o velho e ele: o amor é imutável, incorruptível, inesgotável... Se o que eles tinham havia-se ido, então não era amor, era qualquer outra coisa, mas, definitivamente, nunca foi amor.
Ela respirou fundo, precisava se recompor e continuar a vida, mas, quando ia se levantar, assustou-se com o berro que ele deu a alguém que passava na rua: "IDIOTAS! PENSAM QUE ISSO VAI DURAR PARA SEMPRE?...".