O Céu de Ícaro

Porque o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu

La Vie En Rose (Capítulo 2)



Veja aqui o capítulo 1

Guardiã



Decidi seguir o conselho de alguns amigos e fazer uma viagem. A Europa me parecia uma boa escolha, afinal, sempre quis conhecer algumas cidades icônicas como Paris, Londres, Veneza... Sabia que se eu visitasse essas cidades e continuasse nesse estado depressivo em que me encontrava, era porque meu caso não tinha cura.
            Montar meu roteiro de viagem foi terapêutico. Por algum tempo esqueci todos meus problemas e comecei a ficar empolgado com a viagem. Essa ideia de férias, afinal, estava me ajudando a superar a dor.
            Depois de vinte dias desde que havia começado a me programar e uma longa viagem, eu finalmente chegava ao Charles de Gaulle.
            O ar do aeroporto já parecia fazer meu coração bater mais acelerado, ou talvez fosse apenas emoção. Eu já estava a tanto tempo em depressão que havia me esquecido de como era ter sentimentos bons trazidos à tona.
            Apenas deixei minhas coisas no hotel e resolvi que, apesar do clichê, a torre Eiffel seria o primeiro lugar eu iria visitar.
            Fui até a estação de metro mais próxima do hotel, já que utilizar o transporte público seria a melhor forma de interagir com os parisienses e observas seus costumes. De fato, isso vale para qualquer lugar.
            Confesso que me senti um pouco idiota quando, ao parar o trem, fiquei alguns segundos esperando que a porta se abrisse e um francês apressado me empurrou e apertou o botão que abria a porta. Eu não sabia que em Paris, você deveria abrir a porta do metrô, seja por meio de um botão ou uma maçaneta. Foi neste momento que percebi eu, por mais que você pesquise sobre um lugar, ainda existem pequenas coisas que você só descobre estando lá, e essa é a beleza de viajar. Essas pequenas coisas me distraiam de meus demônios.
            Desci na estação Ecole Militaire, a alguns quarteirões de distância da torre, pois queria caminhar um pouco e sentir o ar francês antes de chegar ao meu destino.
            Apesar do céu limpo, aquele dia estava particularmente frio, e mesmo que eu estivesse vestindo um grosso casaco, ainda não era suficiente para aquela temperatura e aquele vento.
            Ao começar a subir as escadas que levavam à rua, um misto de emoção e frio tomou conta do meu corpo e eu tremi. A sensação de que ao colocar os pés na superfície eu teria um vislumbre da magnífica torre só me fazia tremer mais.
            Quando finalmente cheguei ao nível da rua, alcei a vista e... nada. Eu não podia ver a torre em canto algum. Eu sabia que a estação não ficava tão perto dela, mas eu estava certo de que era possível vê-la dali.
            Vi o prédio da escola militar mais adiante e caminhei até lá. Ao chegar em frente ao prédio, olhei para o lado e, como se emoldurado pelo mur de la paix, estava a imponente torre. Sentei-me nos degraus daquele monumento à paz e, durante algum tempo, esqueci o frio e qualquer outro problema que me afligia. Naquele momento, a torre era minha guardiã. O champ-de-mars se estendia como um tapete verde que conectava minha guardiã metálica em uma ponta, a mim, na outra. Durante os minutos que passei ali – que podem ter sido cinco ou cinqüenta – o mundo pareceu parar, e meus problemas pareciam pequenos.
            Atravessei o campo e, apesar do frio extremo, subi o monumento. Ao chegar no topo, pude ter uma visão geral de toda a cidade. Ao perceber, ao longe, o arco do triunfo, fechei um olho e estendi o polegar até cobri-lo completamente. Então abri a mão e cobri metade da cidade. Nesse momento, citando mal algum filme antigo, eu disse baixinho:
            - Paris é minha!