O Céu de Ícaro

Porque o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu

O desprezo do Brasil pela Literatura

Olá pra você, pessoa incrível.

Eu gosto de ler. Eu gosto muito de ler. Eu sempre passei muito tempo na biblioteca da minha escola, tanto que eu tinha amizade com o bibliotecário e era o único a ter acesso a uma salinha reservada com livros que não eram emprestados a outros alunos. Eu tinha amizade também com a biblioteca do Senai, onde também estudei, tanto que eu não precisava mostrar minha carteirinha na hora de reservar, pois a bibliotecária já sabia de cor. E vale lembrar que nunca tive aulas de Literatura na escola.

Pablo, qual é o livro?


Meu gosto pela leitura começou bem cedo. De fato, bastaram seis meses na escola, e aos quatro anos eu já sabia ler, sendo que aos cinco eu já colecionava gibis da turma da Mônica. Anos depois, ganhei diversos livros da série Vagalume (acho que não existe mais essa série), e com esses livros eu comecei a ler livros infanto-juvenis e clássicos adulto logo depois.

Como não podia ser diferente, minha carreira acabou seguindo pelo caminho das palavras, comecei a ensinar inglês e, mais tarde, finalmente consegui começar a ensinar Literatura.

Foi durante o período em que dei aulas que pude ver de perto a realidade brasileira para a leitura.
Eu já sabia que nosso povo não gostava muito de ler, mas ao começar a ensinar alunos do ensino médio, percebi como a situação era crítica. Primeiramente, boa parte dos alunos dessa faixa etária possui uma escrita precária e interpretam textos muito mal. Eu costumava utilizar a poesia para exercitar isso, já pode ser feito mais rapidamente e o escritor tende a soltar mais seu lado artístico ao utilizar essa mídia. Até que ajudou, mas ainda era pouco. Algo que ainda atrapalha no desenvolvimento intelectual (no sentido da leitura) é o maldito currículo escolar. O professor é obrigado a ensinar sobre certas obras apenas para ~preparar para o vestibular~. De fato, o vestibular é o que atrapalha o ensino de todas as matéria, mas vamos focar aqui apenas na Literatura.

Lembro de ter que ensinar sobre Marília de Dirceu para alunos do segundo ano apenas por estar no currículo. Cara, esse livro é muito chato. Em contrapartida, grandes escritores, como Scliar, Suassuna ou Leminski são deixados de lado. Pior, autores latinos, como Borges, Garcia Marquez ou Cortázar são totalmente ignorados.

Outro grande problema é o fato de termos que ensinar sobre muitas obras em um curto espaço de tempo, fazendo com que falemos superficialmente de ótimas obras pois, se déssemos a devida atenção, não teríamos tempo de falar sobre os outros, e isso, para alunos que já não gostam de ler, é um sacrilégio. É uma vida bandida essa.

É muito difícil fazer com que um aluno se interesse por leitura se você não tem liberdade para falar sobre o que quer pelo tempo que julgar adequado. Lembro-me de ouvir desde pequeno sobre Dom Casmurro e sempre imaginar uma história chatíssima e de ter levado um baque sem igual quando finalmente o li e percebi que meu pré-conceito era totalmente equivocado, totalmente oposto à grandiosidade da obra. Mas não me julguem, ninguém nunca havia me ensinado sobre Machado de Assis até a faculdade.

Outra coisa que me intriga é a (pouca) quantidade de livrarias e seu destaque entre lojas. Eu costumo julgar o nível intelectual de uma região pela quantidade de livrarias que existem ali. Vivi um tempo em Buenos Aires e pude ver como lá a coisa é bastante diferente: livrarias se amontoam pelas ruas da capital porteña, você vê as pessoas lendo nas ruas, no metrô, no McDonald's... A Argentina prestigia a intelectualidade, ao que, infelizmente, parece ser diferente por aqui. Em terras tupiniquins, a pessoa que lê é vista como um alien, um ser estranho com gosto por coisas sem graça.

Hoje já não dou mais aulas, mas espero ainda ajudar a mudar esse panorama, tenho até umas ideias para poder contribuir. E se você, caro leitor, deseja ajudar também de alguma forma ou apenas bater papo sobre livro ou qualquer outra nonsense da vida, deixe aí seu recado ou me procure pelos becos escuros. Não deixe também de contar sua história com os livros.