O Céu de Ícaro

Porque o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu

Um dia estranho em Paris

Esta é um relato de um dia de muito glamour em Paris - sqn

Eu sou um imã de situações estranhas. Sério, as coisas mais absurdas costumam acontecer comigo. Mas eu acho que meu auge foi durante as cerca de doze horas que passei em Paris. Aquele foi um dia inesquecível, em todos os sentidos possíveis e imagináveis.

Quando conto essa história, costumo citar apenas alguns salmos, já que é quase uma epopeia bíblica, mas aqui, não vou me preocupar em resumir, então prepare-se para um texto longo e estranho que eu dividi em pequenos capítulos, para ficar melhor de ler.

Pré viagem

Tudo começou no penúltimo ano da faculdade, quando eu tive que começar a me preocupar com meu TCC. Eu queria falar sobre a evolução da pronúncia da língua inglesa e qual a melhor forma de ensinar o idioma no Brasil (cara, meu TCC ficou demais, de verdade, sinto orgulho dele, apesar de a parte de "ensinar o idioma no Brasil" é dispensável, já que meu foco era a evolução), para isso, decidi que ~seria ótimo buscar bibliografia na Inglaterra~, por que não?


Tirei esta foto deitado no chão, mas valeu a pena.

Bem, lá fui eu em uma viagem com pouco dinheiro e muita disposição. Decidi que ficaria 8 dias na Europa, sendo que em um desses dias eu faria um bate-volta Londres-Paris.

Minha semana em Londres também rendeu boas histórias, mas fica para uma próxima vez.

A viagem para Paris seria um dia antes de voltar ao Brasil.

Dias antes da ida à França, tive que ir até a estação de trem para imprimir meu passe e também para já saber o caminho até lá. Começou que eu tive que ir duas vezes lá, já que eu fui à estação errada (eu fui na estação do Harry Potter, mas era na do lado), mas tudo bem, não vamos nos ater ao detalhes disso também.

A bagunça toda começou no dia anterior à viagem. Como era inverno, decidi assistir à CNN para ver a previsão do tempo para Paris (muito inteligente de minha parte). Logo eles mostraram: faria 32°F em Paris no dia seguinte. "Hum, depois eu faço a conversão para Celsius." - pensei (burrice n° 1).

No dia seguinte, levantei por volta das quatro da manhã, me arrumei, coloquei um sobretudo e fiquei na dúvida se valia a pena levar mais uma blusa ou não. Resolvi não levar (burrice n° 2).

Ônibus - estação - imigração - trem - Paris. Cheguei à Cidade Luz por volta das 8 da manhã.

Um fato sobre mim: quando estou com frio, costumo relaxar os músculos totalmente, assim eu paro de tremer (pode tentar).

Frio

Quando desci na estação, meu cérebro automaticamente fez a conversão de temperatura: 32°F = 0°C. Some isso ao fato de que a Gare (estação) du Nord possui o teto aberto, fazendo com que o vento entrasse com força na plataforma, dando mais frio ainda.

Eu tentei relaxar os músculos, mas apenas um osso, aquele que fica mais saliente nas costas quando você coloca o braço para trás, tremia. Eu saí andando como um epiléptico no meio da estação. Meu corpo não me obedecia de forma nenhuma, eu tentava ir para um lado e meu corpo insistia em ir para outro. Situação ridícula.

A maçaneta do metrô

Bem, consegui ir ao subsolo para pegar o metrô, o que amenizou um pouco o frio. Quando o metrô parou, eu, como um cidadão acostumado a pegar esse transporte tão agradável, esperei a porta se abrir. Esperei durante uns dois segundos, mas a porta não abriu. Foi quando um parisiense, com toda a classe e gentileza que só um parisiense tem, me empurrou e puxou a maçaneta pneumática que abria a porta. Sim, isso mesmo, o metrô de Paris exige que você mesmo abra a porta.

Ok, falha minha, não fiz minha lição de casa, vamos para a próxima.

Meus planos incluíam descer na estação École Militaire e ir a pé até a Torre Eiffel.

Confesso, depois que você cruza aquela esquina e vê aquela torre imponente ao vivo, parece que todos os problemas desaparecem.

Também estava garoando (eu juro que tentei sorrir, mas minha boca tava congelada)

Do you speak English?

Depois de passar por alguns soldados fortemente armados naquele campo ali atrás, finalmente cheguei à torre, mas o frio tava tão terrível que decidi não subir (blame on me).
Já que eu não iria subir na torre e não tinha comido nada até então, resolvi 
tomar um chocolate quente ali embaixo.
Enquanto tomava meu chocolate, uma mulher com aparência humilde e com um lenço na cabeça se aproximou de mim e perguntou se eu falava inglês. Diante 
de uma resposta afirmativa, ela me entregou um papel já bem amassado 
que dizia que ela era da Bósnia e estava passando necessidades e blábláblá. Me solidarizei com a senhorinha e dei alguns trocados que eu tinha (eu não 
podia dar muito, senão eu é que teria que pedir depois).
Feliz em realizar essa boa ação, segui meu plano de ir a pé até o Arco do 
Triunfo, que não é muito long dali. Mas, antes de sair do perímetro da torre, 
outra mulher com aparência humilde e lenço na cabeça me perguntou se eu 
falava inglês. Diante de uma resposta afirmativa, ela também me entregou um papel (desta vez, plastificado) dizendo que era da Bósnia e bláblébli. Não é possível, é a máfia dos imigrantes! Eu não dei nada para essa aí, me senti um trouxa em cair na lábia da primeira, mas tudo bem.

My precious

Próximo ao Arco do Triunfo, vi um careca muito branco pegando algo no chão e olhando com uma cara de feliz. Quando passei perto dele, ele me mostrou que era um anel de ouro. "Lucky you!", eu disse, no que ele me respondeu: "No, lucky you!". Opa! Eu não, cara, eu não achei nada, não. Ele me entregou o anel e perguntou se era de ouro. O anel era bem pesado e realmente parecia ser de 
ouro (momento ourives da ZL). Quando fui devolver-lhe o anel, ele se recusou e falou que eu podia ficar. Opa! Cara, que conversa estranha é essa? Ele disse 
que era da Polônia e tal, e não sei o quê. Eu só estava esperando a hora que 
ele viraria as costas para que eu jogasse aquele anel longe. Vai que o cara 
chama a polícia e fala que eu roubei, ou sei lá... Papo vai, papo vem, eu preocupado, o cara de conversinha fiada, eu com medo, então ele faz menção 
de ir embora, mas volta e pede um dinheiro, pois estava passando necessidades (pelo menos não era da Bósnia). Pensei rápido, entreguei-lhe o anel (não esse, o de ouro) e disse para ele vender o anel (ponto para mim). Ele ficou bravo, disse que não queria o anel, queria dinheiro. Ok, a situação tá ficando meio perigosa. Coloquei o anel em sua mão e a fechei (igual filme, sabe?). Ele ainda ficou me enchendo o saco, então dei os trocados de Libra que eu tinha no bolso (só pelo hue, mas foi uma péssima ideia) e queimei chão dali. Ele ficou puto, mas foi embora.

Poliglota

Atravessando a rua para chegar ao Arco, vi uma mulher com aparência humilde 
e lenço na cabeça que veio me perguntar se eu falava inglês. Ah, mas eu já 
estava esperto. Uma hora em Paris e muita gente já tinha tentado me passar a perna, 
mas dessa vez não, dessa vez eu seria mais esperto. Olhei para ela e respondi 
em bom e claro PORTUGUÊS: "Desculpa, não entendo". Ela olhou para mim e respondeu com um sotaque lusitano: "Português? Me dê um dinheirinho!". A mulher era uma pedinte poliglota!
Saí dali logo e foi até o Arco.

Fatos sobre o Arco do Triunfo: o arco é bem antigo. BEM antigo. E ele também é consideravelmente alto. Por ser tão antigo, ele não possui elevador, e os 
degraus são bem baixos, o que torna a subida bem complicada.

Visão da base da escadaria (sente o drama)

Chegando lá em cima, como eu já disse, estava muito frio. Mas valeu a pena.

Foto mal tirada por conta do frio

Quem não chora não mama

Passado isso tudo, era hora de comer.
Como eu falo francês tão bem quanto um babuíno albino toca xilofone, achei melhor procurar um restaurante que tivesse o cardápio em inglês.

Fato sobre Paris: eles não gostam de outro idioma que não seja o francês.

Obviamente, não encontrei. Mas acabei encontrando um Starbucks, onde eu poderia simplesmente pegar um lanche e pagar, sem precisar falar nada (ou eu pensava que seria assim).
Peguei um pão preto com uma aparência estranha, uma Coca-Cola e pedi um muffin de chocolate, pois as únicas coisas que eu conseguia pronunciar em francês era muffin e chocolat. Foi então que percebi que poderia pedir para 
esquentar o lanche. E por que não pedir, não é? Bem, o problema é que o cara não entendia uma palavra em inglês e eu não sabia pedir em francês. Depois de muita mímica e macaquice na frente do balcão, eu me fiz entender e ele
esquentou meu lanche, que até hoje eu não sei o que era e nem quero saber, 
mas era gostoso.

Je ne parle pas français

Viu só que a foto anterior ficou ruim por causa do frio? Aqui eu tava no quentinho e a foto ficou boa.

No Louvre eu só passei por uma situação desconfortável quando pedi 
informações para um guarda e, apesar de eu ter certeza que ele havia me entendido perfeitamente, fez questão de não me ajudar, a menos que eu perguntasse em francês. FDP. Mas tudo bem, o Louvre é o Louvre.

Ps: o quadro do Delacroix é mais ipressionante que a Mona Lisa.

Três coisas

Para finalizar, três coisas também aconteceram na volta.

Primeira coisa: tive problemas na imigração, pois não tinha minha passagem de volta para o 
Brasil (embora eu estivesse indo para Londres e só voltaria ao Brasil no outro 
dia). Por sorte, os ingleses são muito simpáticos e o cara da imigração me 
deixou passar. Ele só me falou para andar sempre com a passagem de volta.

Segunda coisa: uma brasileira sentou na mesma cabine que eu no trem. Coincidência? Então veja só: ela morava na cidade vizinha à minha, passava 
perto do meu bairro para ir trabalhar e trabalhava na mesma empresa que o meu pai.

Terceira coisa: lembra que eu dei meus últimos trocados de Libra para o careca polonês que queria me dar o anel (humm...)? Então, ao chegar em Londres, e estava sem dinheiro para compra a passagem do metrô. Perguntei para a 
mulher da bilheteria se ela aceitava Euro, e ela me respondeu com a cabeça virada 
sobre o ombro e um tom complacente: "No, dear no Euro here", e então um 
arco-iris saiu de seus gentis olhos e eu deslizei de volta até o hotel por ele. Não, mentira. No aperto, acabei lembrando a senha do meu cartão de crédito e 
comprei a passagem em uma máquina de autoatendimento.

É, aquele dia foi bem estranho, e eu nem falei como um cara com a roupa 
melhor que a minha veio me aplicar o golpe da Bósnia e ainda tentou roubar o guarda-chuvas que eu tinha comprado em um Carrefour perto da Torre, nem 
como tirei a sorte grande em uma promoção surpresa na Champs Élysées, ou como fiquei perdido no Louvre, já que não são histórias tão interessantes assim.

E você? Que história estranha tem para contar?